Como foi que você
descobriu que tinha uma doença rara e qual a mensagem que você deixa para as
pessoas que como você possuem uma doença rara?
R: Quando tinha dez anos de idade
descobri uma escoliose idiopática (sem causa definida) grave. Usei o colete de
milwaukee, mas como sofria muito bullying resolvi abandonar o colete. Meus pais
tentaram me convencer a usá-lo, porém eu não usava de jeito nenhum, daí minha
escoliose evoluiu muito, no entanto, segui a vida “tentando esquecer que ela
existia”, enganando a mim mesma. Fui fazer teatro, reprovei em diversos testes
por ter o “corpo torto”, mas segui minha vida, usando meu cabelo longo para
esconder e outros truques que nós mulheres sabemos usar quando necessário.
Com trinta e oito anos eu estava em cartaz
com um musical e bati o salto do sapato mais forte no palco em uma dança e
minha costela grudou na minha bacia, tamanha era a curva que tinha. Foram dores,
dores e mais dores, daí decidi que era a hora de fazer a tão temida cirurgia de
escoliose! Durante o processo de escolha dos médicos escrevi um blog, “eu
curva de rio”, relatando minhas histórias com a coluna torta de forma leve
e isso me conectou a muitas mulheres na mesma situação que a minha, que tinham
uma vida inteira com medo de operar. De certa forma esta experiência me deu
força, pois não estava mais sozinha no mundo. Então depois de muitas histórias
e muita pesquisa, em 03 de junho de 2018, coloquei 24 pinos na coluna. Estava
reta por dentro e um corpo totalmente torto porque meu cérebro não entendia
aquela nova condição. Como foi uma cirurgia de alta complexidade, as sequelas
que ficaram me pareciam ser consequência do processo cirúrgico, inchaço nas
mãos e pés, meu nariz muito maior, perda gradativa da visão esquerda e tontura,
mas como a gente sempre acha que conhece medicina não fui atrás. Um ano após a
primeira cirurgia, fui correr de patinete, cai e coloquei três pinos, na aorta
torácica, e tive que passar por uma nova cirurgia de emergência para retirar os
pinos e aqueles sintomas continuavam.
Já na pandemia cai da cama, fiquei
preocupada com os pinos e fui ao médico para ver se estava tudo bem. Com a
coluna estava, como fiz um galo na cabeça pedi para fazer uma tomografia e a
médica voltou e disse, está tudo bem, não aconteceu nada em sua queda. Respirei
aliviada. Mas você sabia que tem um tumor enorme na hipófise? Ela continuou. E
eu nem sabia o que era hipófise. “Hipófise: a glândula mestra, a hipófise, uma
glândula do tamanho de uma ervilha localizada na base do cérebro, que produz
diversos hormônios. Cada um destes hormônios afeta uma parte específica do
corpo (órgão-alvo ou tecido-alvo). Duas semanas depois eu estava no
centro-cirúrgico novamente, uma cirurgia delicada na cabeça que infelizmente me
deixou sem toda a hipófise. E assim como todas as doenças raras que afetam a
falta dela, insuficiência adrenal, diabetes insipidus, pan-hipopituitarismo.
Minha vida mudou completamente. sem imunidade, com menopausa precoce,
incontinência urinária, confusão mental, problemas em regular o estresse,
quedas e quedas de cabelo e uma forte agressão a autoestima. Foram cinco anos
longe do palco. Cinco longos anos morrendo um pouquinho por dentro.
Como surgiu a ideia
da fundação do Teatro Raro, quais as ações que são promovidas por ele?
R: Decidi
em maio de 2023, que ficar fora do palco me fazia mais mal do que bem, e que
estava na hora, de ao menos tentar retornar. Tentei, e com o propósito de
orientar as mulheres sobre a importância da autoestima e doenças que causam
tanto mal e são desconhecidas. Subir no palco para informar. Consegui. Em um
certo dia de ensaio, parei e disse: Eu quero mais, eu quero incluir pessoas com
deficiência e com doenças raras neste universo, eu quero abraçar e deixar as
pessoas se expressarem, e agora, isso chama “Cia Teatro Raro”. Ao final
de cada espetáculo abrimos para o público falar e vi o quão grandioso era e é o
que estamos fazendo, as mulheres se sentem à vontade para expor seus medos, o
abandono e incompreensão, contar suas histórias e agregar de forma absoluta a
Cia a elas. Porque a arte transforma, cura e salva.
Você ministra palestras falando do tema, como as pessoas podem fazer para entrar em contato? Redes sociais, site?
R: Sim, ministro palestras. Falo
abertamente sobre todos os desafios de ter uma doença rara, de cara aberta, sem
vergonha e com certa leveza. Estou no Instagram como @adaniguedes e
no WhatsApp (11) 99624-4474. Em fevereiro, dia 28 é o “Dia Mundial das Doenças
Raras”.
Como você avalia
esta data para portadores de doenças invisíveis e raras?
R: Importantíssima. Mas ainda estamos
no âmbito da fala, é preciso falar mais, informar mais, para que tenhamos mais
ações que gerem mais diagnósticos precoces e cada vez mais inclusão.
Qual a relevância da inclusão de pessoas com
doenças raras na atualidade e como tem sido tratado este tema?
R: Todas
as pessoas devem ser incluídas, olhadas como indivíduo que são, suas
particularidades, suas necessidades, e quanto mais falarmos, mais conhecimento
levamos, mais vidas conseguimos salvar, mais medicações chegarão, e o desconhecido,
aos poucos, vai se tornar algo que as pessoas entendem e respeitam.
Qual o impacto
positivo da arte através do Teatro Raro na saúde emocional das pessoas com
doença rara?
R: Fortíssimo. Damos voz a quem acreditava
não ter mais lugar de fala. Mostramos que a autoestima pode ser recuperada, que
o abandono não é culpa de quem fica doente. Ninguém pode carregar culpa por
ficar doente, e falar através da arte se torna mais fácil de atingir os
objetivos. Acima de tudo, informamos com entretenimento.
Quais as suas
considerações finais?
R: Espalhem amor, arte, empatia. Venham para o
Teatro Raro, levem o Teatro Raro. Somos raros e podemos ser muito mais fortes
juntos. Mulheres, se amem acima de qualquer coisa e como eu disse, a arte
transforma, cura e salva! Viva a vida!
Dani
Guedes é atriz formada pelo teatro escola macunaíma em artes cênicas, possui
formação em comunicação social pela faculdade Editora Nacional, e é pós-graduada
em formação de governantes na Escola de Governo da USP. É fundadora da Cia
Teatro Raro que tem como objetivo a inclusão de pessoas com deficiência e
pessoas com doenças invisíveis e tumores raros na arte (especialmente no
teatro).
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