Mobilidade: Introdução de ônibus elétricos nas cidades demanda novas habilidades profissionais

 A transição energética no transporte público traz oportunidades de trabalho e a necessidade de atualização de conhecimentos

Marcelo Scheffel, gerente de manutenção da Viação Teresópolis Cavalhada, acompanha o desempenho dos elétricos e faz boa parte do trabalho de gestão pelo celular. Foto: Divulgação/TUMI-GIZ

Nas áreas urbanas brasileiras, o setor de transportes é um dos principais emissores de gases de efeito estufa (GEE), de acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os carros e motocicletas representam quase 60% das emissões de CO₂ nas cidades, apesar de responsáveis por apenas 35% das viagens motorizadas.

Em contraste, os ônibus, que representam 60% dos deslocamentos, contribuem com 15 a 27% das emissões, dependendo da distância. Por isso, a expansão da frota de ônibus elétricos movidos a bateria – com zero emissão de gases poluentes durante o seu uso, e mais confortáveis, modernos e silenciosos – é um passo importante para muitas cidades atraírem passageiros além de reduzirem seu impacto na crise climática.

No Brasil, 61 municípios de sete estados conquistaram a oportunidade de adquirir 2.296 ônibus elétricos e a infraestrutura necessária para recarga das baterias, com financiamentos aprovados pelo Novo Programa de Aceleração para o Crescimento (PAC), por meio da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atualmente, cerca de 800 ônibus elétricos estão sendo operados em 21 cidades brasileiras, segundo a plataforma E-bus Radar, a maioria movidos a bateria.

A modalidade Renovação de Frota, do Novo PAC, é um sinal claro de apoio federal à redução das emissões de CO2 e melhoria da qualidade de vida nas cidades, além de promover a indústria nacional. “Cada país tem a sua especificidade e com certeza o PAC é uma demonstração de investimento no setor para ganhar escala. A demanda é o que faz com que as empresas se movimentem para fornecer o que está sendo pedido pelo mercado. Agora vai depender de as cidades que pediram os financiamentos terem condições de implementar”, explica Natália Chaves, assessora técnica de Acoplamento Setorial e Economia Verde na Deutsche Gesellschaft für Internationale Zus ammenarbeit (GIZ) GmbH, agência federal alemã de cooperação técnica. 

À medida que as cidades se preparam para a transição energética no transporte público, surge a necessidade de atualizar conhecimentos e se adaptar às novas tecnologias. "A eletrificação abre espaço para outras oportunidades de trabalho. As parcerias entre o município e as operadoras criam programas de qualificação para motoristas e demais profissionais”, ressalta Jens Giersdorf, gerente da Iniciativa Transformadora de Mobilidade Urbana (TUMI, na sigla em inglês).

A TUMI é uma iniciativa da GIZ que desde 2020 vem apoiando a mobilidade amigável ao clima, inclusiva, segura e acessível. Uma de suas missões é a implementação de ônibus elétricos, e para isso patrocinou estudos de viabilidade técnica e treinamentos para servidores de diversas cidades no Brasil, por meio de organizações sem fins lucrativos como WRI, ICCT, ITDP e C40.

As mudanças impactam toda a cadeia de valor – desde a extração e reciclagem da matéria-prima das baterias à manutenção dos ônibus, passando pelo trabalho de formuladores dos editais de licitação e modelagem financeira para a aquisição e operação dos coletivos elétricos.

Porto Alegre, por exemplo, pretende adquirir 100 novos ônibus elétricos a bateria por meio do Novo PAC. Desde o final do ano passado, 12 modelos fabricados pela Marcopolo, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, e pela Eletra, em São Bernardo do Campo, São Paulo, já rodam a capital gaúcha, operados por três concessionárias diferentes. Os carregadores de bateria instalados são fabricados pela WEG, de Jaraguá do Sul, Santa Catarina. Os veículos foram pagos à vista pela prefeitura, com o dinheiro excedente da arrecadação de impostos, realizando um termo aditivo nos contratos de concessão com as operadoras referente à antecipação do subsídio tarifário.

Treinados pelas montadoras para entender o funcionamento dos veículos e da bateria, e trabalhar nos reparos quando a garantia da compra expirar, os funcionários das operadoras também passaram por uma capacitação nas normas de segurança obrigatórias pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Essas, relacionadas à interação com eletricidade (NR10) e o trabalho em altura (NR35), já que as baterias costumam ficar no teto dos ônibus.

As baterias e seus carregadores elétricos demandam dos mecânicos, eletricistas e profissionais de manutenção a habilidade de mexer com sistemas de alta tensão. Mas até os ônibus elétricos chegarem, estes especialistas nas operadoras de transporte estavam preparados para, no máximo, fazer reparos em sistemas de baixa tensão elétrica, como os utilizados nas portas de acionamento automático dos ônibus e no ar condicionado.

O técnico em eletrônica Marcelo Scheffel (foto), 50 anos, gerente de manutenção da Viação Teresópolis Cavalhada, conta que os treinamentos foram essenciais para a equipe perder o medo de tomar um choque fatal. “Até 24 volts era o meu limite. Quando veio (a necessidade de mexer com) 680 volts, aprendemos sobre isolamento e falhas de isolamento, quando acontecem, o que fazer, e assim fomos entendendo e perdendo medo. Com os EPIs, a gente chega no cérebro e no coração do veículo, lá na parte perigosa. A segurança vem sempre em primeiro lugar, (e a partir daí) é tudo muito controlado, um trabalho normal, leve, tranquilo”, explica Marcelo.

Segurança em Primeiro Lugar

Os equipamentos de proteção individual (EPIs) consistem em uma roupa específica, três luvas, botinas, balaclava e capacete com visor, todos com tecnologia isolante para trabalhar com alta tensão e proteger profissionais contra os choques. Nos treinamentos, são abordadas técnicas de manutenção dos sistemas e componentes elétricos, como fazer a “desenergização”, e até sobre o funcionamento do coração humano.

“O pessoal chega a perguntar: mas eu preciso conhecer o coração? Precisa, porque se você leva um choque, pode entrar em fibrilação ventricular”, detalha Alexandre Araújo, coordenador do Instituto SENAI de Tecnologia em Mobilidade Elétrica e Energias Renováveis, em Jaraguá do Sul, sobre a importância de despertar a consciência dos profissionais sobre os riscos envolvidos e a necessidade de tomar os cuidados essenciais. “Primeiro, te assustam bastante. Depois, você vai aprendendo e ganhando confiança”, resume Marcelo.

Alexandre nota a participação crescente de mulheres nestes treinamentos. Na última turma de 90 pessoas havia cerca de 10 mulheres: “É pouco, mas no passado não tinha nenhuma”. De fato, os dados mostram que elas ainda são uma minoria pouco expressiva em números, mas que geram grande impacto ao serem vistas por outras mulheres como profissionais totalmente capazes de desempenhar de forma igual ou melhor que seus pares homens.

O importante é nunca sentir confiança demais a ponto de negligenciar alguma parte do processo. “Tendo as precauções: desenergizar o ônibus corretamente, descomissionar as baterias, que é como eles chamam desligar certinho, e usar o EPI não tem perigo nenhum”, ressalta Fabrício Caetano Almeida (foto), 41 anos, coordenador de manutenção da Nortran Transportes Coletivos.

Há 19 anos trabalhando na empresa com a manutenção mecânica e elétrica, ele conta que está acostumado a passar por treinamentos para se atualizar. “A cada seis meses temos que fazer alguma reciclagem. Cada ônibus novo que vem com tecnologias diferentes, temos que ir nos aperfeiçoando e nos adaptando aos novos tempos, não dá pra ficar pra trás. Antigamente era bomba injetora, hoje é injeção eletrônica. Antes era o Euro 3, agora temos o Euro 5 e já temos também o Euro 6. Agora tem ônibus elétrico”, detalha Fabrício sobre as tecnologias e os modelos dos coletivos. “Adoro estar evoluindo, adoro descobrir coisas novas”.

Uma nova motivação para motoristas e seus empregadores

Nascido em uma família de rodoviários, com pai, avô e bisavô motoristas de ônibus, Marcelo Scheffel conta que se preparou desde o início de sua carreira para ocupar uma posição de supervisão, treinamento e desenvolvimento de outros profissionais. Boa parte de seu trabalho hoje ele faz utilizando o celular como ferramenta.

A empresa onde trabalha há quase 8 anos como gerente de manutenção tem funcionários de longa data, e ele percebe que os elétricos trouxeram uma motivação extra para a maioria deles. “Mudou o comportamento, chegam de barba feita e gravata, e qualquer luz que acende do painel já vêm logo avisar, mesmo que seja algo dentro da normalidade. Dá pra perceber que cuidam bastante da máquina”, observa Marcelo.

Como os elétricos são mais confortáveis, silenciosos, tecnológicos e automáticos, e por isso mais fáceis de dirigir, e em um primeiro momento de adaptação estão sendo operados em rotas mais tranquilas, os motoristas escolhidos para operá-los frequentemente se sentem como se tivessem recebido uma promoção. “Chegam em casa descansados, porque têm maior bem-estar. Além de que dirigir um elétrico, hoje, é um status, chama a atenção de quem está em volta no trânsito, a pintura dos ônibus é diferente, bem bonita”, detalha.

Para conduzir os ônibus elétricos, a gestão das empresas busca motoristas que dirigem com maior cautela e suavidade, que não arrancam nem freiam de forma brusca, porque assim se economiza energia. Dirigir dessa mesma forma os veículos a diesel, também economiza combustível – o que repercute em menos gastos financeiros para as empresas.

Quem tem o ‘pezinho pesado’ consome mais combustível e provoca um desgaste prematuro em pneus, freios, ferros, amortecedores, direção – tudo! Então, quem entende a dinâmica e pega um jeitinho mais tranquilo, cuidadoso, aplica a direção defensiva melhora tudo”, explica Marcelo, que calcula uma economia de alguns milhares de reais por mês se todos os mais de 200 motoristas da empresa aplicarem mais cuidado na direção não só nos 4 ônibus elétricos, mas em todos os 94 ônibus da companhia.

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